Vovó

Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Lá vinha ela reclamando da sujeira no chão. Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Não arrasta o chinelo no chão para não estragar, dizia ela. Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Se não comer tudo direitinho sem derramar ou sem o garfo e faca ela vai ficar triste. Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Não interessa onde ela esteja, nasceu um bisneto, ela corre pra ajudar. Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Ela me ensinou a bordar e deve ter se arrependido disso, rápido seus tecidos, retalhos e botões me fascinaram ao ponto de eu e minhas bonecas não podermos mais viver longe deles, até hoje. Flip-flop, flip-flop, flip-flop. Lá vem a vovó. Flip-flop, flip-flop... flip.

Vovó Ostília faleceu no dia 5 de setembro de 2009.

Vinti tleis fori-ô

Eu prometi pra mim mesma que ia escrever tim-tim por tim-tim como que era a ultra super mega amedrontante entrevista pra tirar visto para os Estados Unidos. Ninguém me contou exatamente como é e as descrições por ai a fora na Internet são muito pobres. Então lá vai.

Primeiro eu cheguei lá e um guarda pediu pra olhar minha bolsa. Oh my God, aquilo foi o meu primeiro grande desafio. Vc deve ter dito ai do outro lado: ai Dani, como vc é exagerada! Entenda bem, meu querido telespéc, eu tinha uma bolsa em uma das mãos, na outra uma pasta cheinha de documentos e com a referida pasta eu tentava me proteger da chuva que vinha direto do céu para os meus cabelos rebeldes que insistem em absorver toda umidade da floresta amazônica, mesmo que ela esteja a milhares de quilômetros de mim. O guarda viu meu desespero e disse pra eu deixar passar, com um sorriso meio que "coitada dessa atrapalhada".

Dai uma moça sem nenhuma expressão facial te encaminha para aquilo que vou chamar de curral. Me senti um boi naquele lugar. O povo andava, eu andava, o povo parava, eu parava. E todo mundo com seus papeizinhos na mão. Alguém pegou o número da minha entrevista, pra confirmar se a data e o horário estavam corretos.Uma moça com aparência um tanto quanto simpática se aproximou. Quer dizer, simpática até o momento em que ela abriu a boca:

- VAMO LÁ, PASSAPORTE, COMPROVANTE DE PAGAMENTO E FORMULÁRIO NA MÃO SENÃO NÃO ENTRA!!!

Me senti no Ver-o-Peso sendo persuadida por um camelô querendo me vender algum relógio roubado. Quanta grosseria. Mal sabia eu o que vinha pela frente. Pede pra sair!


Enfim o curral passou, te encaminham pra um lugar onde vão ret
er de vc qualquer tipo de equipamento eletrônico. Celular, mp3, Ipod, camera digital, computador, qualquer coisa desse tipo fica. Os guardas que te perguntam sobre esses equipamentos são até simpáticos, talvez este tenha sido o único recinto com pessoas simpáticas, recinto que por sinal tinha umas portas de tamanho excomunal, talvez de uns 20 cm de espessura.

Quando vc sai dessa sala te dizem para "seguir a faixa amarela". Gente, fiquei tonta, a faixa nunca terminava. Dobra pra esquerda, segue direto. Ai anda, anda, anda, anda e dobr
a pra direita, anda, anda, anda e chegou. Um lugar cheio de gente com olhos esbugalhados completamente atentos aos painéis luminosos. Te encaminham pra uma fila, mais uma.

Vc pega uma senha, a mulher nem te olha e te recomenda atenção aos painéis luminosos. Nessa hora eu entendi o por quê dos olhos esbugalhados. A senha vai aparecer lá, vc tem que prestar atenção. Se passar a tua vez é bem capaz que te mandem pro calabouço ou diretamente para a Caverna do Dragão. Que eu me recorde existiam pelos menos 20 coisinhas daqueles, sendo que 6 ou 7 não paravam de fazer "piiii". Ai o painel me chamou, 2340. Fui até o primeiro guichê e, pra variar um pouco, fui atendida com a maio
r "gentileza" por um homem:

- DOCUMENTOS!

Passei o formulário e o passaporte (juntamente com o boletim de ocorrência - pra quem não sabe meu passaporte foi roubado e por esse motivo perdi meu visto tbm) pelo buraquinho. Todos os guichês são exatamente iguais. Possuem um vidro grosso, aqueles auto-falantes que a pessoa fica com voz de Darth Vader e um buraquinho que praticamente cabem apenas 2 folhas de A4 por vez. Exagero o meu, talvez 4 folhas por vez. Ou seja, contato mínimo. Depois o homem gritou comigo:

- O QUE É ISSO? NÃO PRECISO DESSE PAPEL, PRA QUE ESSE PAPEL?

Ah, caramba. A Polícia Federal tinha me orientado a andar com meu boletim de ocorrência e apresentá-lo sempre que fosse me referir ao meu passaorte. Homem grosso, idiota! Peguei meu papel de volta e esperei de novo.


Fui me sentar ao lado das pessoas com olhos esbugalhados
, atentos aos "piiiis". Eu vi que a minha senha foi solicitada para um determinado guichê. Direcionei-me ao mesmo e aguardei minha vez. Ali havia uma pequena fila. Enquanto atentamente observava se a bolsa da moça na minha frente era uma legítima Louis Vuitton ou não, ouvi: - Vinti tleis fori-ô! Pensei com meus botões o que aquilo significaria. Imediatamente olhei para a direção de onde vinha a vóz Darth Vader. Uma pessoa de aparência oriental repetiu novamente:

- Vinti tleis fori-ô!
- Vinte e três, quatro e zero? Eu perguntei.
- Yeis, Uori iu slipi?

Damn! Dei uma resposta torta a qual não vou registrar aqui. Imbecil, aprende a falar antes de sair insultando quer quer que seja. Recebi meu passaporte de volta, todo grampeado e cheio de lesões. Não sei se vc sabe, mas eu sempre tive horror a papel amassado, sujo, rasgado. Meus cadernos sempre tinham que ser ultra limpinhos desde quando eu era criancinha. Então aquilo me afetou profundamente. Novamente me sentei e comecei a ouvir os "piiiis". Pelo que eu percebi, aquela era a última etapa, quando ocorria a entrevista em si.

Me sentei na segunda fileira de bancos e aguardei. Observei que as pessoas bonitas e bem vestidas não recebiam o passaporte de volta. Me lembro de uma moça de calça da Gang, sacola da Herbalife e brincos verdes (pra combinar com o símbolo da Herbalife) saindo indignada do local com seu passaporte na mão. Então para receber seu visto, vá bonitinho, faça a barba, escove os dentes, passe sua camisa e sorria. Depois de quase 1 hora aguardando um moço perguntou bem alto:

- Alguém aqui ainda nã
o foi chamado? Eu e um casal simpático que estava sentado ao meu lado levantamos a mão. Simplesmente tinham esquecido de chamar a gente. Adouro Tequinulugias Digitains! Enfim um guichê do Darth Vader me chamou. Um cara mais ou menos da minha idade me fêz três perguntas:

- O que vc faz da vida? Vc mora com seus pais? O que vc vai fazer nos Estados Unidos?

Respondi e obtive uma fria resposta:

- Seu visto foi aprovado, boa viagem.


Quanta decepção! Ele não me pediu nenhum tipo de comprovante de nada. E se eu tivesse mentindo? E se eu quisesse viajar pra levar droga escondida na minha bota? Me lembrei de algum epsódio de alguém levando droga escondida na bota. Eu sai de lá com raiva, sinceramente. Tive o maior trabalho pra colecionar os documentos que, de acordo com o site lá do coisa do visto, eram "extritamente necessários". Ahhh! Vai se catar! Mas enfim, segui as placas de saída, passei novamente pelo recinto dos guardinhas legais, me meti em outra fila. Dessa vez era pra escrever o endereço do local para onde deveriam enviar meu passaporte. Tudo bem, escrevi e sai.

Cheguei no consulado dos Estados Unidos em São Paulo às 9:20 da manhã e saí mais ou menos às 1:15 da tarde. Minha entrevista? Durou uns 3 minutos desse tempo todo.